quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Um novo cinema e uma nova estética



Márcio Blanco, do Observatório de Favelas, fala sobre o Fórum de Experiências Populares em Audiovisual



Entrevista: Simony Leite

Um novo tipo de produção audiovisual feita por jovens participantes de projetos desenvolvidos por organizações não-governamentais desponta das mais diferentes realidades brasileiras. Contrapondo-se ao conteúdo tradicional e à estética da televisão, esses jovens realizadores de cinema e vídeo desafiam o mercado com novos olhares sobre a vida, as pessoas e o mundo.

Esse tema orientou o 3° Festival de Jovens Realizadores de Audiovisual do Mercosul, que aconteceu em Vitória, entre os dias 18 e 22 de setembro, reunindo mais de 30 projetos sociais, em uma programação composta por mostra competitiva, oficinas, debates e palestras.

O ambiente propiciou o encontro de jovens realizadores e de coordenadores de ONGs dentro do 3° Fórum de Experiências Populares em Audiovisual (Fepa). Criado há quatro meses, o fórum discutiu temas como a proposta da Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura de criar um edital de fomento à produção audiovisual de jovens integrantes de projetos sociais. Nesta entrevista, o coordenador do Fepa, Márcio Blanco, destaca os objetivos, os desafios e as parcerias para a democratização das tecnologias de informação e comunicação.

O que é o Fórum de Experiências Populares em Audiovisual (Fepa)?

Márcio Blanco - O Fórum de Experiências Populares em Audiovisual (Fepa) surgiu em junho de 2007, por ocasião do Visões Periféricas, que é um festival dedicado exclusivamente a produções de jovens moradores das diversas periferias do Brasil formados por organizações da área audiovisual. Nesse festival, quisemos criar um espaço em que se pudesse discutir, refletir e agregar experiências que estão acontecendo no Brasil, há alguns anos, e que chegaram a uma etapa muito importante de amadurecimento.

Esses realizadores não querem mais ser rotulados como jovens da inclusão social, vindos da periferia, e que estão fazendo vídeo para sair da marginalidade. São rótulos com que nos acostumamos a lidar dentro do Terceiro Setor, e que ainda são muito fortes nesta área. Mas vejo que essa juventude está cansada de ser rotulada. Eles estão querendo ser reconhecidos como artistas, cineastas, realizadores, com propostas estéticas e artísticas. Estão também em uma fase de querer ocupar um espaço dentro do mercado e de ter um canal de diálogo com as políticas públicas de audiovisual. Então, o fórum surgiu como uma conseqüência natural dessas transformações.

Essas instituições e esses jovens iriam agregar-se em torno de algum espaço para dar uma cara, uma unidade a essas experiências, respeitando a particularidade de cada um. E calhou de isso acontecer, em junho, no Visões Periféricas, no Rio de Janeiro; depois, houve uma reunião em São Paulo, durante o Formação do Olhar, em agosto. Então, a Beatriz Lindenberg, do Instituto Marlin Azul, convidou-nos para a terceira reunião, no Festival de Jovens Realizadores. Desta vez, conseguimos reunir não somente os coordenadores das instituições, mas também os jovens que fizeram os filmes. Eles são os protagonistas desse movimento que está acontecendo.

A intenção do fórum é estimular a formação técnica dos jovens ou levantar a discussão sobre as realidades?

Márcio Blanco - Cada vez mais vejo o fórum como um processo. Não há uma definição muito amarrada de quem ele representa e o que ele procura representar, ou quais tipos de discussões quer levar a cabo. Em São Paulo, chegamos a definir que o fórum representa as organizações não-governamentais, os Pontos de Cultura, os coletivos de realizadores que saem dessas experiências audiovisuais.

Definimos também que temos três missões. Na verdade, uma missão com três braços. Um é fomentar a produção e a circulação dessas obras realizadas por esses jovens. O segundo é refletir e criar políticas de profissionalização e de inserção desses jovens no mercado de trabalho, dentro das TVs públicas e privadas. E o terceiro braço seria a educação audiovisual – uma preocupação muito forte dentro dessas instituições –, ou seja, desenvolver uma política nesta área dentro da rede pública de ensino.

Só que o fórum é uma discussão muito aberta. Não é uma entidade fechada, com representantes (presidente, diretor, tesoureiro). O fórum acontece dentro de uma lista de discussão pela Internet, um grupo que reúne não somente os coordenadores, mas também os realizadores.

Queremos avançar em diferentes áreas, como na criação do site – para dar visibilidade a essa produção – e na realização de encontros fora dos festivais que se dedicam a esse trabalho, para que possamos ter mais tempo para discussão e reflexão.

Quais as grandes questões da produção audiovisual da juventude?

Márcio Blanco - Eu sou meio megalomaníaco. Acho que o fórum tem que discutir tudo. Mas que tipo de bandeira o fórum terá? Temos que levantar algum assunto específico? Se pelo lado pragmático é importante defender uma bandeira, para que esse tema tenha uma visibilidade e para que possamos concentrar esforços, eu percebo também que precisamos pensar de uma forma global. Tem a questão da educação audiovisual dentro das escolas públicas, a questão da profissionalização, da produção, da exibição e da circulação. Queremos discutir várias coisas.

Discutimos as novas tecnologias, os editais que fomentem essa produção, a inserção dentro da TV pública. A gente se preocupa com uma política que possa criar uma cultura ou uma economia de audiovisual para o Brasil inteiro. Esse incentivo não pode ficar concentrado em uma região, como o Sudeste, porque essas experiências estão espalhadas por todo o território.

Outra questão: um garoto que estuda lá em Manaus não pode somente fazer uma oficina e, de repente, sentir-se frustrado porque não existe uma cultura ou uma economia que possam inseri-lo dentro da região onde vive, já que as oportunidades estão lá do outro lado do Brasil. Então, para espalhar essa cultura para o País inteiro, é preciso pensar de forma global, de forma holística, atacando o problema por diversos caminhos. O fórum se preocupa com diversos pontos, mas esses três braços são os mais relevantes, mais visíveis, mais tangíveis.

O que o terceiro fórum discutiu, em Vitória?

Márcio Blanco - A Bete Jaguaribe (assessora especial de Cidadania Audiovisual da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura) discutiu um pouco o edital de fomento à produção audiovisual feita por jovens egressos dessas experiências. A secretaria encaminhou a minuta do edital e está todo mundo opinando a respeito. Então, esse é um tema que está muito quente.

Um assunto que se discutiu muito é a importância da educação audiovisual. Isso é básico para se provocar uma série de transformações na forma de fazer e de perceber o audiovisual. Temos um movimento muito concentrado no eixo Rio-São Paulo porque a concentração econômica está nessa região, então, tem que resolver a questão da distribuição de renda.

Outra questão é que não se tem uma educação audiovisual dentro das escolas, onde os alunos, que estão sendo alfabetizados na escrita e na leitura, também possam ser alfabetizados na linguagem audiovisual. Acabamos atropelando as coisas ao passar de uma tradição oral para uma tradição audiovisual, e não passamos pela escrita e a leitura.

Então, é fundamental, sem esquecer a parte da escrita e da leitura, ter uma alfabetização audiovisual. Senão a gente fica achando que a televisão ou a forma de produção audiovisual que estamos acostumados a ver é uma só. Para começar a ter vontade de ver algo diferente, é preciso criticar aquilo que se vê, e assim, começar a perceber que existem outras formas de fazer. Isso acaba gerando uma série de conseqüências como a vontade de produzir.

O edital que está em processo de discussão e ajustes destaca o papel do governo no fomento a essas produções audiovisuais e na criação de espaços para dar visibilidade a essas experiências. O que representa o edital e quais as outras alternativas para incrementar essa produção?

Márcio Blanco - O edital de fomento à produção audiovisual de jovens provenientes de projetos sociais é um grande começo. Existe uma geração de jovens que está muito interessada em participar deste mercado audiovisual. Esse edital dará oportunidade para que eles participem de uma economia e de uma estrutura mais profissional, pois terão acesso a uma verba mais significativa, podendo contratar serviços e entrar em uma lógica econômica e produtiva fomentada pelo Estado (porque 80% da produção cinematográfica é patrocinada pelo governo).

Em termos de criatividade e ousadia, a produção jovem saída das ONGs não deve nada às demais. Com o edital, as produções começarão a ter um aporte financeiro e técnico muito mais profissional, e poderão alcançar um reconhecimento diferente e circular em outros espaços, e não apenas naqueles dedicados a essas ações.

Começarão também a se misturar com outros tipos de produção e a aparecer na televisão. Existe um preconceito muito grande em relação ao audiovisual feito a partir de projetos sociais porque essas obras são realizadas muito em função de processos educativos, e não têm a intenção de formar técnicos ou profissionais. São processos educativos que querem fazer o jovem expressar-se ou inseri-lo em questões de cidadania.

Mas os jovens já estão a fim de dar esse passo para frente, de tomar outro rumo. É importante que eles comecem a participar dessa estrutura econômica para que esse trabalho conquiste outro tipo de reconhecimento. Essa produção está conseguindo mostrar um tipo de Brasil que a gente não está acostumado a ver. E que só os jovens podem mostrar.

Qual avaliação do festival?

Márcio Blanco - Eventos como o Festival de Jovens Realizadores, o Visões Periféricas e o Formação do Olhar são festivais que estão fazendo a diferença porque dão uma visibilidade exclusiva para essa produção. Isso é importante porque destaca e concentra a atenção em torno de um universo de jovens. Esses festivais estão projetando essa galera, jogando para outro tipo de circulação de filmes.

Percebe-se que essa garotada se sente reconhecida e feliz de estar em um espaço que não os percebe de uma forma paternalista. Eles sentem a auto-estima lá em cima, percebem que estão fazendo, que têm uma coisa diferente para falar, e que são mensageiros de um novo Brasil, de um novo cinema, de uma nova estética. Os jovens se vêem protagonistas de uma coisa muito nova que está acontecendo neste País.


· O endereço para cadastramento na lista do Fepa é
FEPA-Brasil-subscribe@yahoogrupos.com.br

Um comentário:

imagina disse...

Uma coisa que não pode deixar de ser comentada é a a abertura que a Programadora Brasil, projeto da Secretaria do Audiovisual, coordenada pelo Frederico Cardoso, está dando à essa produção das experiências populares em Audiovisual. Já está certo para 2008 a edição de um DVD com essa produção dentro do pacote de filmes comercializados pela Programadora. Isso irá contribuir muito para a difusão dessa produção e seu reconhecimento artístico.

abraço
Marcio Blanco